Talvez
vocês estejam se perguntando sobre o título deste artigo. Vamos começar com a
seguinte história. Uma mãe estava bordando um belo bordado em uma tela. De
repente vem seu filhinho de quatro anos e se aproxima dela vendo o bordado do
avesso por ser muito baixo. Ele pergunta para sua mãe que coisa feia e horrível
ela está fazendo? A mãe então abaixa o bordado e mostra o lado direito do
bordado para a criança que se surpreende com a beleza de seu trabalho. Esta
história tem muito a ver com a nossa vida. Muitas vezes interpretamos as coisas
negativas que nos acontecem de forma direta, sem perceber o que pode estar por
detrás delas.
Quem
sabe seria bom ver as coisas negativas que nos acontecem como algo extremamente
positivo. Vamos fazer uma nova leitura de nossa vida para superarmos e
convivermos com nossas limitações sabendo oferecê-las. O sofrimento oferecido é
uma grande fonte de santificação. O Divino Espírito Santo vai mostrando nossas
feridas. Ao mesmo tempo que vamos reconhecendo-as, vamos superando-as ou relativizando-as
na técnica do oferecimento.
Vemos
que a doença pode ser um sinal de glória (Jo 09, 01-03). Deus permite que
tenhamos contato com nossas limitações para podermos perceber que Deus está
ativo em nossa vida.
“Deus
nos ama acima de nossas limitações”. Muitas vezes o que aparentemente pode ser
terrível é algo que oferecido a Deus pode se tornar a tábua de nossa salvação.
Vemos os instrumentos de tortura dos mártires e as formas como eles os
abraçaram com alegria porque foram os meios de santificação que Deus havia
permitido para eles. A tradição diz que Jesus ao receber a cruz a beijou. O que
vamos fazer com nosso câncer, com nosso diabetes, com nossas doenças
emocionais, com os problemas de relacionamento?
Vamos
perceber que a porta estreita é o combate de nosso egoísmo que aos poucos nos
leva a um amor mais puro. Estamos em uma segunda gestação ou peregrinação ao
eterno. Só o bem que praticarmos nesta vida é que vai permanecer.
Tivemos muitas oportunidades em nossa vida de conhecer o
Senhor e sua presença. Cada momento de nossa vida é uma nova oportunidade para
reconhecermos que somos amados por Deus. Ele nos criou para sermos suas
criaturas prediletas, para fazermos parte de sua alegria. O pré requisito para
experimentarmos Deus é a humildade. Através dela seremos capazes de nos
adentrarmos no mistério de Deus pela fé vivida na obediência. A humildade nos
leva a experiência da verdade.
Percebemos no evangelho de São João uma saudação de Jesus
Ressuscitado que encerra tudo o que buscamos nesta vida: “A Paz esteja convosco”
(Jo 20, 19). Jesus atravessa as barreiras internas e externas da pessoa para
oferecer a sua misericórdia. Esta misericórdia é fonte de libertação e cura
para todos que procuraram viver os valores expressos por Jesus em seus
ensinamentos. Neste momento nasce o sacramento da Reconciliação que tem várias
dimensões de cura interna e externa da pessoa. Nós seremos curados quando
vivermos o altruísmo, ou seja, a saída de nós mesmos para sermos instrumentos
de salvação de nossos irmãos. Devemos nos esquecer para recordar o que somos
diante de Deus.
Só teremos paz no momento que soubermos qual é o objetivo
de nossa vida. Esta paz nasce na obediência a Deus. Assim como Maria soube
dizer sim devemos seguir o seu modelo para sermos felizes. Quando descobrimos o
que queremos nesta vida (a eternidade) então vamos iniciar o nosso processo de
conversão tentando concretizar em nossa vida o que o Senhor nos pede. São os
dois grandes desafios que nos trazem paz: conhecer o que o Senhor quer de nós e
a força de tentar concretizar sua vontade. Ter paz não significa viver longe
das provações, dos sofrimentos, significa em meio a instabilidade da vida ter a
certeza que estamos no caminho da ressurreição. Por sito acontece que muitos
católicos se afastam da cruz e alguns vão para falsas religiões. Buscam um “deus
do egoísmo” e da vaidade. Podemos afirmar que uma pessoa que não é católica,
mas estuda reza e reflete acaba como católica e o católico que não estuda, não
reza e não reflete vai para as falsas religiões.
O nosso passado, as coisas negativas que nos aconteceram
são como espinhos que constantemente nos ferem. Precisamos da Paz do Cristo
Glorioso presente em nossa vida para eliminarmos definitivamente o mal presente
em nossa história. Só o Espírito Santo é capaz de nos curar e santificar.
Somos convidados a abrir nosso coração ao Divino Espírito
Santo para que Ele nos fortaleça e faça ver a realidade de nossa vida
totalmente preenchida pelo amor de Deus. Necessitamos de cura e libertação, não
há exceção para esta realidade. Algum problema, alguma fragilidade Deus permite
para que a nossa confiança esteja só em sua força. Temos o nosso “tendão de
Aquilis” de nossas fragilidades.
Do que precisamos ser curados e libertados? A resposta
podemos encontrar no próprio sentido da paixão, morte e ressurreição de Cristo.
Se não precisássemos ser libertados e curados Jesus não teria passado tudo que
passou para nos salvar e não teria enviado o Espírito Santo para nos auxiliar
em nosso processo de santificação.
A primeira cura e por consequência, a primeira
libertação acontece quando nos livramos do pecado e de sua ressonância em nossa
vida. O maior problema do pecado é o nosso isolamento de Deus, quebra de
comunicação, e a desconfiança de que Ele possa nos perdoar e aceitar novamente.
O pecado nos torna egoístas. Do pecado somos curados pela experiência da
misericórdia que acontece de forma gratuita no sacramento da reconciliação.
A nossa oração e todo o nosso empenho deve ser
aplicado no reconhecimento do amor que Deus tem por nós. O ser humano é uma
bomba que deseja sentir-se amado e amar. Quando fomos amados na nossa infância,
na adolescência, na juventude, na fase adulta, enfim, se estamos nos sentindo
amados neste momento, estamos em processo de cura e libertação. Devemos viver a
espiritualidade do Kairós (Graça de Deus que nos ama neste momento), para
sermos felizes. Do que adianta o passado? Do que adianta o futuro? O que
importa é o agora vivido no reconhecimento de que estamos sendo amados. São
João da Cruz nos diz que o olhar de Deus é amar. Estamos todos sobre o olhar
amoroso do Senhor.
A nossa vida é um grande mistério. Passamos por
momentos altos e baixos, de profunda alegria e de profunda decepção. Muitas
vezes nos colocamos no centro do mundo, somos egoístas e auto suficientes
pensando que somos uma fábrica de realização pessoal. O pecado nos faz fortes,
nos estampa uma alegria superficial que é capaz de convencer aos outros e a nós
mesmos.
O Espírito Santo vem até nós para abrir o verdadeiro
horizonte de nossa vida. Jesus nos diz que iremos conhecer a verdade e a
verdade nos libertará (Jo 08, 32). Esta libertação é um processo. Inicia nos
aspectos morais de nossa vida até chegar ao íntimo de nosso ser, quando nos
sentimos moradas de Deus.
Quando olhamos para Jesus com o olhar do filho
pródigo (Lc 15, 11ss), estamos abrindo um grande espaço em nosso interior para
sermos curados. Quando Jesus curava os doentes olhava para eles especialmente
para a abertura ao amor pela Fé. Jesus curava independente da lei judaica, pois
para ele era mais importante a salvação da pessoa que um simples cumprir
aparente (Lc 14, 01-07). Toda a mensagem de Jesus se relaciona com a cura do
egoísmo. Do pensamento que o mundo gira em torno de nosso eu.
A Fé é capaz de nos curar e de curar os nossos
irmãos. Somos consagrados a Deus pelo batismo. Exercemos o sacerdócio comum dos
fiéis. O cristianismo é bonito pelo seu altruísmo, pela busca da prática do bem
em qualquer ambiente. Somos parte da comunidade daqueles que crêem em Deus Trindade. Devemos
rezar sempre uns pelos outros para que aconteça a verdadeira libertação.
Não podemos entender Deus sem utilizarmos o verbo
sair. Deus saiu de si mesmo para nos criar com a finalidade de participarmos de
sua felicidade. Seremos felizes quando fizermos os outros felizes. Rezar pelos
outros também é um método para nos livrarmos de nossas fraquezas e limitações.
Hoje percebemos muitos “cadáveres ambulantes”,
pessoas que não sabem sua origem e nem seu fim. Não sabem quem as criou e para
o que foram criados. As relações comerciais estão acima das relações humanas
deteriorando profundamente o sentido da vida humana. Quando nos perguntamos o
que somos e para onde vamos não nos conformamos com o consumismo que nos
consome.
Somos cristãos (portadores de Cristo pela nossa
vida), dentro de um mundo descristianizado. Às vezes podemos até participar
ativamente da Igreja, mas estamos longe de viver os valores daquele que é o
centro de nossa Fé. Só o amor poderá construir algo em nossa vida.
Podemos perceber na recuperação dos dependentes e
dos detentos, que a mensagem que eles necessitam é a realidade de que embora
tenham cometidos muitas coisas más, ainda são amados por Deus. Nós até
poderemos fazer uma tentativa de esquecer o nosso Criador, mas Ele é incapaz de
passar um momento sem se lembrar de nós. Todas as nossas dificuldades, do
passado, do presente e do futuro deveram ser “entregues” a Deus. Elas não nos
pertencem, estão fora de nós e poderão até servir para a nossa verdadeira
realização. Devemos transformar os limões de nossa existência em limonada. Nós sempre
vamos ter nesta vida tentações, provações e consolações. Vivemos na
instabilidade em busca da estabilidade no amor. Por esta razão estamos em um
processo de conversão. Aqui ninguém está pronto.
Quando olhamos para os mártires, vemos ao lado de
suas figuras ou imagens o instrumento em que foram torturados. Eles abraçam
estes instrumentos tão terríveis de uma forma tão afável e carinhosa que nos
impressiona. Acredito que devemos olhar para a nossa história da mesma forma,
os instrumentos de tortura que podem ser os aspectos negativos de nossa existência,
devem ser vistos de outra forma. Um dia estaremos todos na eternidade e iremos
rir de nossas limitações e ver que muitas vezes valorizamos em nossa vida
aquilo que não tinha tanto valor e deixamos de lado o essencial.
Como estamos vivendo nossas relações: consigo mesmo,
com Deus, com o próximo e com o mundo? Não podemos nos ancorar em nosso
passado. Tudo passa só Deus basta nos diz Santa Teresa por que ficarmos
ancorados nas sombras de nossa vida sem vermos o sol do amor que Deus sente por
nós?
Diante de Jesus vivo em nossa vida seremos curados.
Vamos perceber tudo que nos passou de uma forma diferente. O amor irá absorver
todas as nossas limitações. Se estivermos amando o Amor nos transforma,
buscamos mesmo na noite o essencial e somos transformados por ele.
O olhar para dentro de nós mesmos é essencial para
sermos curados. Os dois verbos entrar e sair são fundamentais. Entramos dentro
para sairmos. O cristão se realiza no altruísmo e não no egoísmo.
Quando descobrimos que a nossa existência é
importante para Deus e para os nossos irmãos nos comprometemos com a realidade.
Percebemos na vida dos grandes personagens do Antigo Testamento. Moisés se
compromete com o povo ao ver um judeu ser mal tratado. A compaixão fez com que
ele perdesse a honra do Egito para ser um libertador do povo de Israel. A
solidariedade nos impulsiona a fazermos o bem e até mesmo nos faz esquecer-se
de nossas limitações. Moisés percebeu desde o início que era profundamente
limitado para libertar o povo, mas a missão o arrastou a fazer o bem. Elias tem
uma profunda contemplação de Deus e não é por isto que não se sente limitado,
pede até para morrer diante das dificuldades.
Jesus está presente na Eucaristia. Ele quer nos
olhar desde dentro, das nossas dificuldades. Quando nos colocamos na presença
de Jesus Sacramentado a nossa vida é transformada. A troca de olhares é
fundamental. Precisamos nos abrir a momentos importantes de adoração em nossa
vida. A reforma de toda a realidade, da nossa vocação, de todo nosso trabalho
começa quando nos colocamos diante de Jesus.
Só o amor pode nos curar. Sabemos de fatos concretos
de pessoas que se curaram após se sentirem amadas. Crianças deficientes que mal
sabiam falar e após uma adoção com muito afeto se transformaram. Nós ainda não
sabemos amar. Confundimos amor com sexo ou exploração da pessoa do outro. O
mundo materialista procura materializar os nossos corações. Quando nos
materializamos nos afastamos da realidade última de nossa vida, nos afastamos
do Eterno.
Quando acontece um acidente não nos importamos com
nosso braço quebrado se temos que socorrer alguém que está muito mal em nosso
lado. Quando colocamos o nosso olhar no Eterno somos capazes de vencer nossas
limitações para vermos o essencial.
A oração é o caminho mais seguro para sermos o que o
Senhor quer de nós. Quando nos comunicamos com Ele nossa vida muda e vamos
entendendo com misericórdia as limitações de nossos irmãos.
Padre Giribone - OMIVICAPE