1) ESPIRITUALIDADE TERESIANA:
Antes de iniciarmos algo
sobre a espiritualidade teresiana, se faz necessário uma definição mais próxima
do que é espiritualidade numa visão cristã dentro da atualidade de hoje.
Depois que Cristo subiu aos céus, já se sabia que o
Espírito Santo iria vir para transformar os corações dos Apóstolos. Todos
estavam ansiosos pela manifestação do Paráclito. A narração do texto dos
Atos(Cap. 2), nos apresenta uma transformação dos discípulos de Jesus. Eles
estavam com “medo” e de repente se tornaram novas pessoas com uma capacidade
desconhecida. De pessoas isoladas em seu mundo particular, se tornaram homens
universais. Por esta razão, podemos afirmar que a experiência de Deus é sempre transformante. Quem experimenta Deus recebe uma força especial que faz que “passe
a mar de verdade a partir do sentimento de sentir-se amado”.
Poderíamos
definir espiritualidade cristã como tomada de consciência do amor de Deus por
nós. Relação profunda entre Criador e criatura. Há três fatos de maior relevo
no cristianismo que são: A Encarnação(Cristo
faz parte de nossa vida), A Ressurreição(Cristo
vence a morte) e Pentecostes(o
Espírito Santo vem e nos ensina a amar). Com estas três realidades, os
primeiros cristãos criaram a certeza de que Deus não está longe e que suas
existências tinham um sentido profundo.
A
partir da experiência apostólica, podemos afirmar que espiritualidade é todo o
esforço que fizemos para permitir que Deus nos ame. Inicialmente, parece ser
algo fácil, mas este esforço é um desafio para toda vida. Na realidade o
protagonista da vida espiritual não somos nós, mas a graça de Deus.
A
espiritualidade teresiana é algo espetacular e inédito. Precisamos entrar
dentro de nós mesmos e perceber o telefone que temos em ligação direta com
Deus. As pessoas do mundo moderno são massacradas pelo imediatismo, não podendo
nunca se conhecer de verdade. Precisamos nos enxergar como Deus nos enxerga.
No
período que viveu Santa Teresa, havia uma inflação de espiritualidade, isto
provocava uma grande confusão na questão de como acontece o nosso verdadeiro
relacionamento com Deus. Ela procurou informações do que lhe sucedia com muitos livros e com os especialistas de
seu tempo. Começou a valorizar a oração de recolhimento, onde todas as coisas
são como que silenciadas para se perceber Deus em nosso interior.
O
ponto chave na vida de Teresa foi, sem dúvida alguma, a oração, que foi
definida por ela no livro da Vida capítulo 8 nº 5: “oração mental, a meu parecer, é
um trato de amizade, estando muitas vezes a sós com quem sabemos que nos ama”.
Santa Teresa considera sua relação com Deus uma amizade. Quando somos amigos de
alguém, vamos aos poucos, nos transformando de acordo com aquele que amamos.
Santa
Teresa foi muitas vezes tentada a se afastar da oração por um falso orgulho ou
por falsa humildade(V 7, 1). Ela nos ensina que devemos perseverar sempre na
oração, independente de nossos sentimentos. Jamais podemos abandonar a oração,
pois ela é o meio eficaz para nossa transformação.
“Converter-se
é voltar a oração”. Não importa nossa situação moral diante de Deus, devemos nos colocar
com toda humildade e pedir que Ele nos transforme. A verdadeira amizade exige
gratuidade. Hoje queremos negociar com Deus, por esta razão logo desistimos da
oração.
A
oração não é uma prática isolada, mas sim conseqüência de toda uma vivência
cristã. A vida é o termômetro da oração que existe ou falta na vida do cristão.
“Crer é um constitutivo do homem”, eu
preciso crer nos sinais do amor de Deus em minha vida, para aumentar o meu
relacionamento de amizade com Ele. O Ato de Oração tem como função realizar a
presença., é uma exigência intrínseca da amizade, não é questão jurídica.
“De
acordo com teu amor, se fará presente a pessoa amiga”. O Ato de Oração, ou de
presença, vem de acordo com o amor que busca presença. A oração é antes de
tudo, uma forma de ser do que algo para se fazer. A prática daquilo que rezamos
vem como conseqüência do estilo de oração que temos.
“O
que nos obriga amar é a consciência do amor”. Teresa nos ensina que
todos somos dotados pelo amor de Deus. Saber-se amado é a força dinamizadora.
Oração é afetividade(deixar-se afetar),
integral com aquele que nos ama, é uma forma de ser livre e consciente.
A oração é sobrenatural porque Deus é
que atua(1M 2, 7). A distração na oração não é falta, mas sim fruto de nossa
debilidade, a oração mais mal feita é a que não fazemos.
Tudo
que Santa Teresa nos ensina tem base na sua experiência. Por esta razão ela era
amiga da verdade e nos deixou como herança tudo que teve que enfrentar parta
alcançar a união com Deus e percebê-lo em seu interior.
Muitas
vezes imaginamos que a espiritualidade é algo fora da vida. Santa Teresa foi
marcada por várias amizades humanas, que foram, aos poucos, sendo transformadas
em amizade com aquele que merece toda a nossa atenção. Se nossa relação com
Deus é de amizade, ela deve ser sustentada pelo diálogo. A novidade teresiana
vai por esta linha: começo a viver a vida do amigo, me interesso por tudo
aquilo que faz parte de sua vida. O meu amor particularizado(manchado pelo
egoísmo), passa a se tornar universal.
Todos
escritos de Santa Teresa são conseqüência de seu relacionamento com Deus, com a
busca da verdade última., por esta razão, ela teve que se vencer, se enfrentar
várias vezes. A vida espiritual não é alienação, mas compromisso com a
realidade, é transformação pessoal que se expande para fora.
O
encontro com a nossa verdade faz-nos sofrer, assim como esta saída de nós
mesmos, isto exige de nossa parte uma profunda experiência de perdão e
aceitação da misericórdia de Deus.
A
oração transformante, nem sempre é gostosa como muitos cristãos hoje querem que
seja. A contemplação é uma exigência de transformação que sempre trás consigo
dor e sofrimento. A partir desta realidade que Santa Teresa nos fala da
necessidade de uma determinada determinação para nunca deixar de lado a
tentativa de progredir na vida espiritual. Muitas pessoas se afastam da oração
porque se baseiam demais nos sentimentos que ela produz.
Os
fatos sobrenaturais na vida de Teresa devem ser relativisados pelo aspecto
dinâmico do amor que ela sentiu e transformou sua vida. Vamos nos transformando
naquilo que amamos.
O
desafio teresiano para nós hoje é fundamental. Qual é o tempo que estou
dedicando ao diálogo com Deus. Como estou vivendo o carisma teresiano(vida de
oração e comunidade), dentro da realidade que vivo?
“A
perfeição na oração não está no pensar muito, senão no amar muito” (4M 1, 7).
2) JESUS E
TERESA:
Teresa era uma pessoa de
profunda sensibilidade, carregada de uma hiper afetividade e dinamicidade. Nós
somos desafiados a partir da experiência teresiana, a nos conhecermos melhor.
Há pessoas hoje que tem muitos valores, mas infelizmente enterram tudo o que
possuem por causa do medo ou das críticas ou da preocupação de não acertar.
Por
que nós nos chamamos de cristãos? Nós acreditamos existencialmente na presença
de Jesus ressuscitado no meio de nós?
Teresa
se sentiu cristã no momento que teve um encontro pessoal com Cristo, sentiu que
Ele precisava de seu consolo. Podemos perceber isto quando ela narra no livro
da Vida sua conversão definitiva( V 9, 1): “entrando
um dia no oratório, vi uma imagem que haviam trazido para guardá-la, haviam
trazido ela para alguma festa que teríamos em casa. Era de um Cristo muito
chagado. Quando a vi me cortou o coração, porque representava bem o que passou
por nós todos. Foi muito forte o que senti do mal que havia sofrido em suas
chagas, que meu coração parecia a mim que partia...supliquei-lhe que me
fortalecesse de uma vez para que nunca mais o ofendesse”. A partir deste
momento, Teresa irá canalizar todo seu amor para quem realmente o merecia. A
experiência de Jesus para Teresa é bastante comprometedora, envolve toda sua
vida, não é algo teórico. O conhecimento de Jesus Cristo é sempre
comprometedor.
Teresa
nos ensina que não podemos receber o Evangelho sem receber a Boa Nova, ou seja,
preciso ser transformado. Qual é a medida de nosso amor? Nós temos consciência
de nossa universalidade que nos foi dada no dia de nosso batismo? Vamos parar
um momento e vamos nos analisar percebendo em que aspecto de meu seguimento de
Jesus eu preciso mudar.
A vida
evangélica é uma luta contra nós mesmos. Teresa deixou uma vida de comodismo,
relativamente boa, do convento da Encarnação(Ávila), onde viveu vinte e sete
anos, para se tornar uma reformadora. A sua relação de intimidade com Cristo
fez que ela propagasse a sua experiência para fora. Jesus entra e nos tira,
todos somos transmissores do amor. Quando não realizamos isto, estamos morrendo
e fazendo os outros morrerem.
A
experiência cristológica de Teresa nos leva a uma vida de oração e comunidade
dentro da vocação que cada um assumiu. Ela sentiu que Jesus estava sozinho e
precisava de seu consolo, de sua amizade. A partir daí ela quis estar mais com
Ele, considerou que necessitava de sua ajuda.
Jesus está
me chamando? Qual é a resposta que dou com minha existência? O fato dele ter
sofrido tanto por mim não altera minhas atitudes? O fato dele ter ressuscitado
e estar presente na Eucaristia não
servem de ponto de referência para minha vida? Teresa queria fundar muitos
conventos para que Jesus estivesse em muitos sacrários sendo adorado por suas
irmãs. Isto numa época em que o protestantismo começava vingar.
A
medida que o grau de oração aumentava em Teresa, o seu conhecimento e amor por
Cristo aumentava na concretização da Vontade de Deus. Conhecer a Jesus é
divulgá-lo sem competição. Jesus não é um herói, mas é uma pessoa que ama e
quer ser amado em nós. Somos cristãos porque acreditamos na revolução do amor.
3) TERESA E
A IGREJA:
O aspecto eclesiológico em
Santa Teresa, é uma conseqüência de seu encontro pessoal com Cristo. Se somos
cristãos, fazemos parte da grande família de Cristo. Havíamos citado na
palestra anterior, que neste período havia muita pluralidade. Sem falar no
protestantismo que se propagava nos países baixos, justamente nesta época em
que Teresa esta mais inflamada por amor a Jesus.
Nenhum
místico, nenhuma pessoa que tem uma forte experiência de Deus põe de lado as
mediações que o próprio Espírito Santo nos propõe. Amar a Igreja, segundo Santa
Teresa é algo fundamental até mesmo para nossa realização humana.
A
oração teresiana está voltada para a Igreja. Ela exigia de suas filhas que
oferecessem tudo em prol da Igreja e que vivessem a obediência aos superiores.
Quantos irmãos nossos hoje se confundem com falsas religiões se perdem nos
caminhos que conduzem a uma frágil auto satisfação.
Se
Cristo é exigente para nós, é natural que a Igreja seja também. Isto tudo está
relacionado com a nossa felicidade. As críticas que se fazem a Igreja tem fonte
no pensamento imediatista de hoje, onde cada um quer fazer a sua própria
vontade. Muitos seguem a doutrina reencarnacionista ou de alguma seita oriental
para se aliviarem a consciência, sabendo na realidade o que é certo.
O
seguimento de Cristo na Igreja não é relativo, não podemos equiparar ou
comparar a Igreja com outras religiões. Deus deu a sua vida por nós em Cristo,
este fato não é qualquer coisa. Se a Igreja não fosse uma instituição divina
ela já teria acabado.
“Mil
muertes por la menor cerimonia de la Iglesia”(V 33, 5). A partir desta
afirmação de Teresa, podemos ver que os místicos valorizam tudo o que pode lhes
unir mais a Deus. Sem dúvida Teresa percebeu o caminho da União com Deus ligado
diretamente com a vida da Igreja. Nenhuma experiência particular tem valor, se
não for em vista do bem da Igreja, de toda a comunidade dos fiéis.
Nas
diversas fundações que Teresa realizou, ela queria incentivar suas irmãs a
lutarem pelo aumento e manutenção da Igreja(F 1, 6). O espírito missionário faz
parte da vida daqueles que sentem Deus mais próximos de si. Podemos nos
perguntar pelo zelo que estamos tendo em relação a Igreja. Valorizamos os
ensinamentos do magistério? Ou achamos que tudo seja relativo?
PADRE GIRIBONE - OMIVICAPE
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